Ciência brasileira perdeu quase R$ 100 bilhões por cortes desde 2014, diz estudo

Levantamento do Observatório do Conhecimento com a Frente Parlamentar Mista da Educação aponta que trabalhos importantes têm sido prejudicados

 

Por Bruno Alfano

O Globo

Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia se destaca na testatagem e nas pesquisas do Sars Cov-2 — Foto: Márcia Foletto

Os seguidos cortes do governo brasileiro do orçamento na Ciência e Tecnologia desde 2014 já tiraram da área quase R$ 100 bilhões até este ano, afirma estudo do Observatório do Conhecimento em parceria com a Frente Parlamentar Mista da Educação.

“O orçamento apresenta uma trajetória decrescente nos últimos sete anos. A intencionalidade desta trajetória é descrita pelas despesas discricionárias. Estas correspondem àquelas despesas em que o governo tem uma maior decisão alocativa”, explica a análise. “Para se ter uma noção, todos os gastos da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2021 somaram cerca de R$ 3,3 bilhões”, compara o levantamento. Além disso, os pesquisadores afirmam que os R$ 100 bilhões teriam sido capazes de manter 665 mil bolsistas de mestrado recebendo em todos os 12 meses durante esses 7 anos.

O Brasil teve, em 2014, R$ 27,8 bi para as áreas relativas ao ensino superior, pesquisa e inovação, no que foi chamado pelo grupo de Orçamento do Conhecimento. Se mantivesse esse patamar até 2022, teria investido quase R$ 100 bi a mais do que aportou nesses sete anos.

— Os pesquisadores deixam seus estudos porque não têm bolsa nem financiamento para as suas pesquisas, em universidades degradadas, sem luz, nem banheiro funcionando. Perdemos um ambiente que acolhe esses alunos e estimula a continuar estudando — afirma Goulart.

 

O estudo foi feito a partir do Orçamento Geral da União com os valores referentes ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação, Ministério da Educação e às Programações Condicionadas à Aprovação Legislativa, particularmente importantes em 2021. Foram considerados na análise dados referentes aos anos entre 2014 e 2021.

Com isso, trabalhos importantes têm sido prejudicados. Um dos projeto mais inovadores do Brasil, o acelerador de partículas Sirius, cuja tecnologia é dominada por apenas três países, sofreu um corte orçamentário de 71% em 2021, colocando em risco o pioneirismo brasileiro nos estudos sobre a luz de síncotron — tipo de radiação que ajuda revelar estruturas de diversos tipos de partículas, orgânicas e inorgânicas, com múltiplas aplicações científicas, na medicina, biologia, agricultura etc.

 

Os cortes no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em 2021, também interromperam a produção de medicamentos usados para o diagnóstico e o tratamento de câncer. No Brasil, 85% desses fármacos são produzidos por essa instituição.

Já no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o supercomputador Tupã, 3º maior do mundo em previsão de tempo e clima sazonal e o 8º em previsão de mudanças climáticas, sofreu ameaça de ser desligado por falta de recursos para manutenção.

Até o combate à pandemia sofreu. Os cortes de recursos afetaram também as pesquisas de vacinas contra a Covid-19 que estavam sendo realizadas em instituições como UFRJ, UFMG e UFPR, e do spray imunizante que estava sendo desenvolvido na USP.

Fuga de cérebros

Com a queda do orçamento, as principais agências de fomento perderam verbas. O CNPq teve R$ 2,5 bilhões liquidados em 2014 para R$ 839 milhões em 2021, ano em que teve a menor verba disponível do século XXI. Já a da Capes foi de R$ 10,3 bilhões em 2015 para R$ 3 bilhões em 2021, apenas 29,4%.

— Desde 2020, três mil pesquisadores deixaram o Brasil. Esse é um número muito alto. O Brasil investe nessas pessoas e acaba financiando o desenvolvimento de países ricos que atraem essas pessoas depois do doutorado deles — afirma o deputado Professor Israel (PSB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME).

Goulart lembra que o Brasil, por conta da fuga de cérebros, caiu de 72º para 80º num ranking de competitividade global de talentos criado pela Insead, uma das principais escolas de administração do mundo. A lista tem 132 nações analisadas, em 2020. A explicação para o desempenho ruim está sobretudo na falta de capacidade do Brasil de criar, reter e atrair novos talentos. Com uma diferença de apenas um ano entre as pesquisas, o item “fuga de cérebros” saltou da 45ª para a 70ª posição.

— A Frente está bastante preocupada com essa queda que temos visto no orçamento da Ciência e Tecnologia e da educação. Por isso, estamos no STF pedindo que se restabeleça os valores previstos na lei orçamentária de 2022, que foram cortados — afirma Israel.

 

 

 

 

 

 

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