Brumadinho: Famílias de desaparecidos vivem angústia e ansiedade à espera da localização de vítimas 6 meses após desastre

Por Raquel Freitas, Patrícia Fiúza e Débora Costa, G1 Minas e CBN BH — Brumadinho

Cerca de 180 dias após o rompimento de barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), que resultou em 248 mortes e 22 desaparecidos, sobreviventes tentam retomar a normalidade da vida.

Para inúmeras famílias, entretanto, principalmente a das vítimas desaparecidas, o passar do tempo é sinônimo de uma ansiedade que parece não ter fim. A angústia que assola os moradores da cidade se reflete no sistema de saúde municipal, que passou a distribuir 80% a mais de ansiolíticos e 60% a mais de antidepressivos (leia mais ao final da reportagem).

G1 publica nesta semana uma série de reportagens em parceria com a CBN sobre os seis meses da tragédia em Minas Gerais.

“Eu estava no ribeirão, estava brincando, era no fundo da horta nossa. Eu só escutei um barulho de vento vindo, a lama já foi me pegando e me virando para o meio do mato”, conta o estudante Ronan Otávio Gomes, de 14 anos, um dos sobreviventes do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão.

Para conseguir sobreviver em meio ao mar de rejeito em que se transformou o ribeirão, Ronan se agarrou a um coqueiro até que fosse achado por seu irmão, cerca de quatro horas depois. O adolescente foi socorrido e levado para um hospital na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde passou oito dias internado.

Ronan Otávio é um dos sobreviventes da tragédia da Vale — Foto: Raquel Freitas/G1

Na área onde ficava a horta da família de Ronan, a lama que soterrou a plantação hoje está seca e encoberta pelo mato, que disfarça a magnitude do desastre. Para quem quase morreu na tragédia, a vontade é de nunca mais retornar ao local.

“Voltei lá uma vez só. Eu não gostei, não. A gente vê onde que a gente ficava lá tudo destruído”, diz o garoto.

As cicatrizes no braço e na perna permanecem, mas Ronan diz que, com o passar dos meses, a rotina foi voltando ao normal.

‘A gente está no dia 25 todos os dias’

Para a família da analista administrativo da Vale Juliana Resende, de 33 anos, esse tempo se traduziu em dor e angústia. Eles continuam sem notícias dela. Além disso, tiveram que enfrentar a perda do marido de Juliana, o técnico de planejamento e controle da mineradora Dennis Silva, de 34 anos, que morreu na tragédia.

Juliana Creizimar de Resende Silva — Foto: Reprodução

Os dois se conheceram quando trabalhavam na Vale, se casaram e tiveram gêmeos, que ficaram órfãos com apenas dez meses. A irmã de Juliana, Josiana Resende, é quem toma conta dos bebês junto com os avós das crianças. Ela afirma que ainda tem esperança de que o corpo da irmã seja localizado para que seja feita uma despedida.

“A gente está no dia 25 todos os dias, mas a gente ainda tem esperança de encontrar, porque o ‘se’ soa muito negativo. A gente fica atrás do IML, bombeiros e quer encontrar. O meu sofrimento é muito grande, é um pedaço de mim que foi embora”, relata.

Dor que remédios não curam

A doméstica Iolanda de Oliveira Silva, de 48 anos, vive a mesma espera. Ela vê o tempo passar sem informações sobre o filho, Robert Ruan Oliveira Teodoro, de 19 anos. Trabalhador terceirizado da Vale, ele estava na mina do Córrego do Feijão, na hora do rompimento da barragem B1.

“Eles acabaram com a minha vida. Só deitar, dormir, nem comida eu faço. É uma dor que esses remédios não curam, a gente toma por tomar”, desabafa.

O tempo se passou sem que a família recebesse notícias sobre a localização de Robert Ruan — Foto: Redes sociais/Reprodução

Para Iolanda, os dias se tornaram vazios, tristes, intermináveis, e a vontade de se mudar de Brumadinho é grande. Três meses antes da tragédia da Vale, ela já havia enfrentado a perda de outro filho.

Para suportar tanto sofrimento, a doméstica, que teve que se afastar do trabalho, precisa tomar dez medicamentos por dia, como antidepressivos. Enquanto não tem novidades sobre o paradeiro de Robert, Iolanda se apega à última memória que tem do filho.

“Na hora que falar que achou ele, a gente não sabe se fica alegre, se fica triste. Você não vai poder ver. A última lembrança que eu vou ter é de quando ele saiu de casa, naquele dia. Ele me deu bênção, mandou levar a bolsinha dele na rodoviária, para ele ir para a casa da namorada. Essa é última lembrança dele”, diz.

Segundo Iolanda, 20 dias antes da tragédia, Robert havia dito que estaria minando água da barragem, mas ela conta que, naquele momento, achou que isso seria normal. “Se eu soubesse que era tão grave, ele não estava trabalhando lá mais”, afirma.

Segundo a Vale, a barragem tinha “todas as declarações de estabilidade aplicáveis e passava por constantes auditorias externas e independentes”. Ainda de acordo com mineradora, havia inspeções quinzenais, reportadas à Agência Nacional de Mineração (ANM).

“Em nenhuma dessas inspeções foram detectadas anomalias que apontassem para um risco iminente de rompimento da barragem”, afirma a empresa.

Em três meses, Iolanda perdeu os dois filhos gêmeos — Foto: Raquel Freitas/G1

Robert, que faria 20 anos no dia em que a tragédia completou quatro meses, era gêmeo de Richard Rean Oliveira Teodoro, brutalmente assassinado em um triplo homicídio. Além do jovem, morreram a namorada dele, que tinha 13 anos, e a mãe da garota, que tinha 35. O crime foi presenciado por duas crianças. Segundo a doméstica, o suspeito tinha um relacionamento com a sogra do filho e foi preso.

Iolanda espera que os responsáveis pelo desastre que vitimou seu outro filho sejam punidos. Mas ela considera que nenhuma indenização ou auxílio por parte da mineradora seja suficiente para amenizar a perda de Robert.

Acordo assinado entre a Vale e o Ministério Público do trabalho estabelece que cônjuge ou companheiro, filho, mãe e pai de funcionários da Vale que morreram na tragédia recebam, individualmente, R$ 700 mil, sendo R$ 500 mil para reparar o dano moral e R$ 200 mil a título de seguro adicional por acidente de trabalho.

“Meu filho vale muito mais, a vida dele [vale muito mais]. E ela [Vale] engoliu ele, com lama de sangue, com ganância de ganhar dinheiro”, diz.

População adoecida

Como resultado desse trauma, a cidade de Brumadinho já encara um aumento significativo do adoecimento psicológico da população. Em seis meses, o sistema de saúde público precisou contratar mais 80 profissionais para dar conta dos atendimentos.

Também foi preciso aumentar as compras de remédios e insumos. Como consequência, a Secretaria Municipal de Saúde tem um déficit mensal de quase de R$ 1,5 milhão com os novos gastos.

Luto que assola Brumadinho se reflete na saúde pública; distribuição de ansiolíticos aumentou 80% — Foto: Raquel Freitas/G1

O secretário Municipal de Saúde, Júnio Araújo, explica que a tragédia da Vale gerou um desequilíbrio no sistema.

“A tragédia fez com que a nossa distribuição de medicamentos como ansiolíticos aumentasse 80%. Então, de um mês para o outro, eu tenho 80% a mais de distribuição desse medicamento do que eu fazia antes. Antidepressivos, 60% a mais. A quantidade de tentativas de suicídio ou de suicídio que chegaram ao êxito também atingiram números alarmantes. Precisa ter um foco de tratamento na saúde mental para poder conter essa doença”, afirmou.

Para dar conta da demanda e dos custos, o município e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a mineradora, para o ressarcimento dos cofres públicos.

“Se não houver esse reconhecimento por parte da Vale, que essa tragédia, que esse rompimento, ele desequilibrou o nosso sistema, não tem jeito de nós continuarmos a funcionar”, reforça o secretário.

Apoio nas horas mais difíceis

Em meio a esse cenário de luto na cidade, iniciativas voluntárias tentam ajudar as pessoas a enfrentar a tristeza e a dor e a seguir com suas vidas. O projeto Flor Amarela, por exemplo, busca ajudar as mulheres de Brumadinho a superar o luto, a partir de rodas de conversas e palestras.

No princípio, a iniciativa tinha o objetivo de promover o empreendedorismo feminino, porém, com a tragédia, foi preciso mudar o foco.

“Houve um número alarmante de mortes, principalmente de homens em idade ativa. Aí a gente começou a pensar em quem ficou. E as mulheres que ficaram sofreram um empoderamento forçado, tiveram que dominar a dor delas, dos filhos e da família, e assumir as rédeas da casa. Então o Flor Amarela surgiu assim e hoje é um projeto que visa dar conforto e criar um futuro para elas”, relata a idealizadora do projeto, Camila Montevech.

Projeto Flor Amarela busca ajudar as mulheres de Brumadinho a superar o luto — Foto: Projeto Flor Amarela/Divulgação

O nome da iniciativa remete a uma espécie de flor que brotou no meio da lama, passados alguns dias do desastre em Brumadinho.

“Nós acreditamos que o projeto pode melhorar a vida das pessoas, pode desenvolver uma esperança que ainda está perdida, pode recuperar a conexão afetiva dessas mulheres com o município e pode reduzir focos de depressão e outros problemas que podem aparecer na cidade no futuro”, ressalta Camila.

O que diz a Vale

Em nota, a Vale disse que tem atuado com foco total na reparação de danos, com ações que incluem indenizações, doações a órgãos públicos e pessoas impactadas, assistência médica e psicológica, compra de medicamentos, entre outros serviços. No total, foi investido R$ 1,5 bilhão em serviços ambientais, materiais de saúde, transporte e outros custos logísticos, segundo a empresa.

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