Técnico escreveu “emoção” e orientação para Flaco López de caneta na mão, conteve ânimos e extravasou com choro de desabafo e alívio após classificação à final
Por Camila Alves — São Paulo.
Abel Ferreira enfiou o rosto entre as mãos, caiu de joelhos no campo e apagou com suor e lágrimas as palavras que havia escrito, de caneta azul, na palma da mão.
– Estava escrito “emoção”, era controlar a emoção. E aqui era para o Flaco, eu queria dizer: “Flaco, tens que estar mais junto do Roque” – contou Abel, no canto da sala de imprensa, apontando na palma da mão esquerda o vestígio das palavras marcadas para si durante o jogo.
Eram instruções, tudo que precisava lembrar, enquanto orquestrava a noite mágica do Palmeiras no Allianz Parque: uma virada inédita, por 4 a 0, sobre a LDU, colocando o Verdão na final da Libertadores pela sétima vez.

Abel Ferreira mostra o que escreveu na mão esquerda durante Palmeiras x LDU — Foto: Camila Alves
Era segunda-feira, porém, quando o técnico começou a tentar criar o plano para superar a derrota por 3 a 0 sofrida em Quito, no Equador. Carrega consigo um bloco de notas para escrever tudo que passa pela cabeça e escreveu nele três possibilidade, compartilhadas na terça-feira com a comissão técnica.
– Pá, não podemos jogar da mesma maneira. Temos que surpreender, eles estão à espera que a gente vá jogar desta maneira. O que vocês acham disso? – disse Abel aos auxiliares, bombardeando-os de perguntas no escritório na Academia de Futebol.
– É possível. Desta forma, conseguimos combater um 5-3-2, é possível eliminarmos aquela linha de cinco, os três médios no meio. Temos que passar esta mensagem aos jogadores. Temos que acreditar.
Naquela terça-feira à noite, reencontrou a esposa Ana em casa.
– Estás nervoso? – ela perguntou.
– Estou, mas confiante que nós estamos preparados – respondeu Abel, antes de ouvir dela a previsão do que viria pela frente.
– Vai ser mais uma noite de sofrimento.
Abel deixou de comparecer, inclusive, ao Prêmio Bandeirante 2025 na noite de quarta-feira, concedido a ele pelo Rotary Club de São Paulo, porque queria estar “tranquilo, calmo, fresco” para a partida.
– Porque eu sou o treinador, mas quem treina o treinador? Eu passo energia aos meus jogadores, quem passa energia para mim? – ele questiona.
Tudo isso, aliás, apenas três meses depois de viver seu momento mais difícil com a torcida, quando xingado por parte da organizada após a eliminação para o Corinthians nas oitavas da Copa do Brasil, em agosto. Algo que, Abel confessa, o chateou e fez questionar se valia a pena, inclusive, a renovação de contrato com o clube.

Abel Ferreira entrega à Gómez faixa que diz “90 minutos é muito tempo no Allianz Parque” — Foto: Marcos Ribolli
Três meses depois, durante os mais de 90 minutos no Allianz Parque, descritos por ele mesmo como “muito tempo”, Abel sentou por poucos segundos no banco de reservas, somente quando parava para discutir mudanças no time com o restante da comissão técnica.
Na maior parte do tempo, portanto, caminhava de braços cruzados na área técnica, olhava o próprio relógio, bebia água de uma garrafa e, nos momentos de comunicação, cobrava os árbitros por faltas não marcadas enquanto com os jogadores mais gesticulava do que falava.
A cada gol, enquanto torcida e atletas extravasavam, Abel se conteve. Levava um dedo à cabeça na beira do campo, em gesto semelhante ao “cabeça fria, coração quente”, e respirava fundo abaixando as mãos como quem dizia: calma.
Acho que foi dos jogos que menos emotivo eu estive. Não podia passar essa emoção pros nossos jogadores – explica.
Assim seguiu até mesmo no quarto e último gol do Palmeiras, marcado de pênalti por Veiga. Abel só quebrou o próprio escudo às 23h26 da quinta-feira: foi balançado pelo braço por Maurício no banco de reservas, logo em seguida ouvindo o apito final que selava a classificação histórica.
– Eu simplesmente desabei. Acho que estava com uma bola dentro, tudo pressionado aqui – diz Abel, apontando o próprio peito.
O treinador aceitou ali o abraço da comissão técnica, o de Giay no meio do campo e caminhou até a bandeira de escanteio para mostrar com as mãos um coração na direção da esposa no camarote do estádio.
Sozinho, enfim levou as mãos ao rosto e desabou de joelhos antes de ser novamente abraçado, por funcionários do clube, pelos atletas, que viveram com ele o inacreditável.
– Eu ainda não consigo desfrutar das vitórias. Penso que todos os dias tenho que provar que mereço estar onde estou. É um sentimento de alívio. Queria abraçar minha filha que não está agora comigo, está em Portugal – disse o técnico, com uma longa pausa em silêncio, tentando conter as lágrimas.
– Família para mim é base de tudo. Eu chorei e estou a chorar agora, não gosto de mostrar minha parte fraca. Mas é isso mesmo, um alívio. Isso que eu tenho pra vos dizer: é um alívio.
 

 





